Teria 14 ou 15 anos quando li pela primeira vez Sebastião da Gama, por 1959. Encontrei-o casualmente na biblioteca de um tio professor. Li depois outros poetas, de que gostei muito, mas Sebastião ocupou sempre um lugar especial nas minhas preferências. O facto de me ter apercebido gradualmente do caso especial que é o seu, de um poeta que o era tanto no que escrevia como no que vivia, reforçou essa preferência.
Quem sabe, essa aura especial talvez tenha prejudicado a sua reputação literária. Dá a impressão que alguns a aproveitam para tentar reduzir, sobretudo por omissão, o seu valor propriamente literário. Mas compensa-nos que muitos que não são literatos continuam a chegar à sua poesia através dessa aura, inclusive a de pedagogo (mais atual do que nunca), e encontram uma poesia das nossas maiores.
Para quem vive uma época como a nossa de destruição e perturbação da natureza, e está consciente disso, Sebastião como poeta só pode ir em crescendo de importância. Como escreveu António Cândido Franco, ele foi talvez o nosso último poeta da natureza. Da natureza íntegra. Hoje os que escrevem poesia da natureza, sem deixar de cantar a sua beleza, terão que fazer igualmente o requiem, oxalá temporário, da sua destruição. E a sua poesia poderá ser uma fonte de força para os que não se contentam com aquela por vezes dominante hoje da linguagem sem referências a nada que mereça a pena fora dela. E uma via para repor no lugar que merece a poesia da natureza, da que ainda há e da que perdemos.
Do livro Flor de Um Dia, de Aurélio Porto, que editei, retiro o primeiro poema do capítulo "Uma Leitura de Sebastião da Gama":
Sebastião
Contigo aos quinze anos tudo se aprende,
a sentir, a amar e a cantar.
Depois vêm os sábios – és ingénuo,
simples de mais,
andas longe das ideias que triunfam.
Para ti não há louros, apenas a fidelidade inquebrável
de amigos vivos
que na mão fechada cabem.
Sim, é verdade, duas ou três professorinhas primárias
ao colo apertam os teus livros,
antes que venha o vendaval da vida e as transforme
em propagandistas de perfumes,
bancárias,
ou guardadoras de meninos, exaustas e já sem chama.
Professorinhas primárias! Torcem o nariz os eruditos,
os sofisticados críticos do esquecimento,
calam o teu nome,
exilam-te no limbo das antologias.
E no entanto vives, vives na Arrábida e na terra toda inundada de luz,
vives a cantar, a amar e a sentir.
Eternos são os quinze anos que te amam.
José Carlos Costa Marques
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