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Diário de Sebastião da Gama no "Diário Digital"

O Diário de Sebastião da Gama, que inaugura a colecção das "Obras Completas" do Poeta da Arrábida, foi objecto de uma entrevista com João Reis Ribeiro, que saiu no Diário Digital de ontem. É essa peça, assinada por Pedro Justino Alves, que aqui se reproduz.

Presença edita obra completa de Sebastião da Gama
A Presença vai publicar nos próximos meses, anos a obra completa de Sebastião da Gama. O primeiro volume desta extensa colecção, Diário, já está à venda, sendo possível encontrar, por exemplo, na Feira do Livro de Lisboa, que decorre até o dia 15 de Maio. João Reis Ribeiro é o coordenador deste projecto que procura colocar de vez o nome do poeta no cenário literário nacional.
João Reis Ribeiro acredita que Sebastião da Gama não é um nome «esquecido» das letras nacionais, embora admita que o poeta «talvez não seja ainda visto com a importância que realmente teve…». E para acabar de vez com esta lacuna, a Presença resolveu oferecer aos leitores nacionais toda a obra do autor, que assim finalmente poderão reconhecer o génio, e também a lucidez do poeta oriundo de Azeitão.

Como surgiu o convite para coordenar esta colecção? Aceitou de imediato?
A ideia da publicação das obras completas de Sebastião da Gama partiu da Editorial Presença, que contactou os herdeiros do escritor para o efeito e deles obteve a necessária autorização. O meu nome aparece para coordenar a colecção devido a proposta dos herdeiros feita à Editorial Presença e, depois, por convite que me foi formulado pela editora. Entendi a razão desta escolha como consequência do trabalho que tenho dedicado à divulgação e estudo da obra de Sebastião da Gama, quer particularmente, quer no âmbito das acções da Associação Cultural Sebastião da Gama, a cuja direcção pertenço.
Quais as dificuldades que encontrou?
E quais as estratégias editoriais que procurou seguir? De dificuldades, propriamente, não se poderá falar. Há, sim, muito trabalho a fazer, fundamentalmente porque todas as edições deverão ser feitas a partir dos originais que integram o espólio de Sebastião da Gama e porque quase todos esses originais existem em manuscritos, sendo necessário o trabalho de leitura e de fixação de texto. Não nos poderemos fiar muito nas últimas edições da obra, porque há lapsos de transcrição, que desejo não aconteçam nesta colecção. Esta preocupação responde um pouco à questão das estratégias… Há ainda a considerar a forma como vai ser agrupada a obra, em seis grupos: o Diário, nas livrarias desde meados de Fevereiro; a poesia publicada pelo autor – Serra Mãe, Cabo da Boa Esperança, Campo Aberto e poemas dispersos por publicações periódicas; a poesia publicada postumamente; a poesia ainda inédita; os textos em prosa publicados pelo autor, dispersos por várias publicações e organizados em livro postumamente; a correspondência para familiares e para amigos. Tudo isto dará uma colecção das obras completas em dez volumes…
Qual a importância desta colecção no panorama literário nacional?
A obra de Sebastião da Gama é diversificada e deve ser entendida no contexto da geração a que pertenceu. Há três áreas importantes a destacar: por um lado, o papel que pode desempenhar ainda hoje uma obra como o Diário, que não é apenas um título de índole pedagógica – retrata o que foi o seu ano de tempo de professor de Português e Francês na Escola Veiga Beirão em 1948-1950 –, mas também uma referência literária, quer pelo cunho autobiográfico, quer pela estética; por outro lado, a epistolografia, praticamente desconhecida, que dá conta do que foi o convívio intelectual de Sebastião da Gama e de qual foi o seu papel na formação estético-literária de alguns daqueles com quem se correspondeu; finalmente, a poesia, o segmento mais conhecido de Sebastião da Gama, que não passa apenas pelas obras publicadas, mas também pelo contributo deixado em revistas literárias como a Távola Redonda ou a Árvore, e ainda pela poesia inédita, que, não apresentando o mesmo valor que os poemas já publicados, dá a noção de como se foi formando este poeta, autor de uma obra invulgar, escrita apenas numa dúzia de anos, por onde passam muitas referências à literatura portuguesa e a outras literaturas.
Acredita que Sebastião da Gama é hoje um nome esquecido nas letras nacionais
Esquecido não será. Talvez não seja ainda visto com a importância que realmente teve… David Mourão-Ferreira, por exemplo, várias vezes testemunhou sobre o papel que Sebastião da Gama teve na sua formação inicial, apontando-lhe referências e comentando os textos que lhe sugeria… O que aconteceu foi que Sebastião da Gama morreu cedo e não teve talvez o tempo suficiente para deixar uma obra marcante... mas uma leitura atenta da sua produção escrita, nos vários domínios, validará um nome a não esquecer no contexto da cultura portuguesa. Há poucos dias, Fernando J. B. Martinho dizia numa conferência que Sebastião da Gama talvez seja o autor português que mais homenagens tem tido… Ora, isso é a prova de que esquecido não está e será também a caução de que a sua obra ainda hoje diz muito a muitos leitores…
E quem foi Sebastião da Gama?
Numa apresentação rápida, Sebastião da Gama foi poeta português, nascido em Azeitão, em 10 de Abril de 1924. Publicou o seu primeiro texto num jornal em 1940, já escrevia sonetos aos 15 anos, licenciou-se em Românicas em 1947, publicou três livros de poemas, foi professor em Setúbal, Lisboa e Estremoz e teve uma doença – a tuberculose – que o afligiu desde os 14 anos e, num quadro clínico mais complicado, o levou à morte em 7 de Fevereiro de 1952. Foi leitor e escritor compulsivo, estendendo a sua escrita por diversos géneros. De tal forma se integra na tradição literária portuguesa que, em 1944, quando ainda não tinha publicado nenhum livro – o primeiro surgirá em 1945 –, o poeta Rui Cinatti, numa dedicatória para ele, o considerou «o sucessor de Frei Agostinho da Cruz»… Conviveu com os escritores seus contemporâneos que vieram a ser grandes referências nas letras portuguesas do século XX português, designadamente, Miguel Torga, José Régio, Teixeira de Pascoais, David Mourão-Ferreira, António Manuel Couto Viana, Luís Amaro…
Porque decidiram começar esta Obras Completas com o Diário, sendo a poesia o género mais conhecido de Sebastião da Gama? A escolha do Diário para iniciar as obras completas relacionou-se com o facto de, quando este projecto começou a ser trabalhado, em 2009, estarem a passar os 60 anos sobre a escrita desta obra. Por outro lado, era uma obra que carecia de uma edição completa, que nunca teve, e corrigindo os lapsos de transcrição que as sucessivas edições apresentavam… Provavelmente, em termos de mensagem, esta edição não traz novidade em relação às anteriores… Mas é a primeira edição completa do Diário, com anotações de contextualização, integrando ainda um estudo introdutório ao conjunto da obra de Sebastião da Gama e um roteiro cronológico exaustivo… Um outro objectivo ao iniciar-se a colecção por este título foi a necessidade de chamada de atenção para a utilidade desta obra, para o dever que temos de a ler e de a estudar, se quisermos falar de educação, independentemente do cargo que desempenhemos nesta área… Provavelmente, Daniel Pennac não conhece esta obra de Sebastião da Gama, mas foi ele quem escreveu, há três ou quatro anos, em Mágoas da Escola, que a escola de hoje não cultiva a pedagogia do amor, justamente aquilo que também orientava Sebastião da Gama… No ano passado, em Itália, houve uma tradução de excertos deste Diário, propositadamente editada para estudo universitário… Se este valor é assim reconhecido, porque não damos nós a esta obra a importância que ela tem e que os outros lhe vêem?
O que poderia falar sobre Diário no conjunto da obra de Sebastião Gama?
Além das referências já feitas, poder-se-á dizer que Sebastião da Gama apresenta uma imagem em que o poeta, a pessoa e o professor surgem indissociáveis. O próprio Diário não foge às pinceladas poéticas, seja sobre a Arrábida e a Natureza, seja sobre o génio humano… Ainda há pouco tempo, em Março, num congresso, uma comunicação abordou este Diário como possibilidade de caminho para a didáctica da leitura, o que é importante se nos lembrarmos do que tem sido a persistência na dinamização da leitura em Portugal… E Sebastião da Gama preocupou-se com essa dimensão e dela deu conta no Diário… Talvez bastasse repetir ou explorar algumas das práticas que ele seguiu… Passados 62 anos sobre a sua redacção, esta obra apresenta hoje uma frescura e uma actualidade invulgares, a exigir ser lida com atenção e com afecto…

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